Na era da inteligência artificial, muitas empresas — especialmente no setor financeiro — enfrentam uma decisão estratégica crucial: desenvolver suas próprias soluções tecnológicas ou integrar ferramentas externas já consolidadas. O crescimento da IA “fatta in casa” (feita em casa) surge de medos compreensíveis, como a perda de controle sobre dados sensíveis ou a dependência de gigantes tecnológicos. No entanto, essa autonomia aparente esconde riscos profundos: desde a fragmentação dos sistemas até a falta de escalabilidade e de aprendizado coletivo. Neste artigo, analisamos como o desejo de controle pode levar à criação de sistemas caóticos, ineficientes e desconectados de um verdadeiro ecossistema de inovação. A solução? Pensar a IA desde a raiz, com uma abordagem estratégica, profissional e integrada.
Do espelho do controle… à consciência de seus limites
Durante o Renascimento, o abandono da alquimia em favor do método empírico deu origem a uma poderosa ilusão: controlar quase tudo. Nomes como o zero, a álgebra, a imprensa ou o microscópio simbolizaram uma era de fé ilimitada no conhecimento humano. Chegou-se até a falar em erradicar doenças ou vencer a morte.
Hoje vivemos um ponto de inflexão semelhante. A inteligência artificial oferece ferramentas com um potencial transformador comparável, mas também carrega uma tentação antiga: pensar que tudo está ao alcance do indivíduo. O acesso indiscriminado à informação vende uma falsa autonomia.
Qualquer um monta sua dieta, interpreta sua saúde, “cura” seus males ou constrói sua própria fé. Todos se sentem criadores. E embora essa tendência empodere, também desfoca os limites do conhecimento responsável.
IA interna nas empresas
Assim como após o Renascimento, quando uma peste inesperada desmontou aquela ilusão de controle, em nosso tempo outros fantasmas podem estar à espreita.
Uma inconsciência semelhante consiste em borrar os limites entre o profissional e um conhecimento meramente diletante.
IA fatta in casa: solução ou nova ameaça?
No mundo corporativo — especialmente no setor financeiro — muitas empresas estão optando por desenvolver suas próprias soluções de inteligência artificial.
A razão? A motivação inicial é o medo de ficar de fora de uma transformação irreversível. Mas o impulso pelo modelo “fatto in casa” vem de dois outros temores: o primeiro é a possibilidade de perder o controle sobre dados sensíveis, sofrer vazamentos, ou prejudicar a reputação. O segundo é a dependência de gigantes tecnológicos externos.
Por esses motivos, grandes empresas — especialmente no setor financeiro — estão desenvolvendo suas próprias IAs por medo de perder dados, reputação ou independência.
Essa decisão, embora compreensível no curto prazo, esconde riscos mais profundos e duradouros.
Silos e caos sistêmico
Muitas empresas criam dispositivos que funcionam — de forma relativa e isolada — mas o fazem de maneira entrópica. O que isso significa? Que às vezes conseguem responder a uma necessidade específica, mas essa incorporação não resolve as necessidades gerais da organização e frequentemente contribui para dificultar o funcionamento global do sistema.
Por exemplo: às vezes se cria um bot de investimentos que entra em conflito com outra solução na mesma instituição financeira, ou com um agente pessoal que recomenda o oposto.
Isso, que pode parecer um pequeno inconveniente, é fundamental. Fazendo uma analogia: o fenômeno é semelhante ao de um paciente que vai ao médico por causa de uma gripe e recebe um remédio contraindicado para hipertensos. O médico simplesmente ignora que o paciente tem pressão alta. O medicamento melhora a gripe, mas causa um problema adicional e possivelmente mais grave: hipertensão e suas consequências.
Escalabilidade comprometida
O que funciona em pequena escala pode colapsar ao ser ampliado, encarecendo ou dificultando os processos.
Além disso, essas implementações frequentemente geram problemas funcionais. Ou seja, algo que é útil em pequena escala, quando levado a uma demanda maior, gera entropia — ou seja, caos no sistema. Isso pode impactar a durabilidade, o custo ou a eficiência.
Em resumo, o experimental “fatto in casa” não parece ser uma solução conveniente.
Falta de ecossistema
Por fim, as empresas que desenvolvem sua própria IA enfrentam outro problema: suas IAs internas não se beneficiam do aprendizado externo; criam microclimas desconectados, enquanto especialistas se nutrem de ecossistemas globais.
Cada organização gera seu próprio microclima. Isso significa que, mesmo que se chegue a uma resposta própria e fragmentada, a solução caseira não consegue se retroalimentar de outros contextos, para os quais está naturalmente destinada a evoluir. Se a dinâmica de tudo é evolução ou involução — nunca estagnação — um sistema precisa conhecer modelos do que está por vir, vantagem que possuem entidades especializadas em IA.
O desafio não é apenas incorporar especialistas à estrutura de um banco ou instituição de crédito, mas pensar desde a raiz um novo sistema que mantenha o núcleo estratégico e integre uma IA pensada especialmente para o negócio, com uma matriz única, sistemática e coerente que não gere entropia, caos ou fragmentação.
O exemplo da N5
Nesse sentido, uma das empresas que desenvolve IA para o setor bancário e financeiro, a N5, afirma — na voz de seu CEO — que suas equipes têm se dedicado a criar e oferecer uma rede organizada de inteligências artificiais que atuam de forma integrada dentro dos sistemas bancários, refletindo uma estratégia própria, setorial e alinhada com o negócio principal da banca.
Eles integraram IA real e útil dentro da plataforma para “transformar o banco em uma experiência fluida, preditiva e personalizada”, indo além das meras promessas futuristas…
Do artesanal ao profissional
Em poucos meses, as próprias indústrias que criaram divisões internas perceberão as dificuldades aqui descritas. E tomarão as decisões que marcarão a transição do modelo artesanal para o profissional.
Em resumo, construir toda a IA do zero conduz a limites visíveis. Aqueles que seguirem por esse caminho logo descobrirão que a solução mais segura, eficiente e escalável é integrar soluções desenvolvidas por talentos especializados, com visão unificada e de longo prazo.